Centro Universitário Norte do Espírito Santo, São Mateus - ES

COMO PARAR DE FICAR TOCANDO SEU PRÓPRIO ROSTO

Nestes tempos de COVID-19, nem que a gente quisesse não daria para ignorar as orientações para lavar as mãos com frequência e evitar tocar o rosto, estão em toda parte. Do ponto de vista de saúde pública, é claramente um bom conselho. Sou obviamente a favor dessas duas coisas.

Como psicólogo, porém, posso dizer que "bom conselho" é uma das formas mais fracas de mudança de comportamento conhecidas pela ciência. Qualquer pai ou mãe que leia este texto já sabe isso, é claro. Mas deixe-me reafirmar o óbvio: simplesmente dizer às pessoas o que devem ou não fazer é comumente inútil. E isso é especialmente verdade quando o conselho tem a ver com hábitos que fazemos sem pensar, tais como morder as unhas, dizer constantemente "né?!" ao final de frases, deixar a tampa do vaso sanitário levantada, ou, bem, levar as mãos ao rosto.

Vamos começar com alguns fatos. As pessoas tocam o próprio rosto. Muitas vezes. Tipo, muito, muito. Quase que constantemente. Eu sei bem disso. Sou um dos poucos cientistas que já estudou esse assunto a sério.

Há vários anos, fiz uma série de estudos sobre comportamentos de tocar a própria face, primeiro com um professor meu e depois com um colega na Universidade onde trabalho. Queríamos compreender como comportamentos mudam, se e quando o indivíduo se automonitora. Precisávamos de uma ação que ocorresse regularmente, que fosse de fácil observação, e que gerasse certo desconforto quando alguém te dissesse que você fez de novo, para que houvesse motivação dos participantes para tentar mudá-la. Os toques no rosto se enquadraram em todos os quesitos.

Quando registramos a frequência com que as pessoas tocam o rosto quando, sem que soubessem que estavam sendo observadas, a frequência era de 0.5 a 3 vezes por minuto, dependendo do que estivessem fazendo. Faça as contas. Isso significa que tocamos nosso rosto centenas ou até milhares de vezes por dia!

A maioria de nós fica um pouco envergonhada quando nosso toque no rosto é flagrado pelos outros. Isso porque, além de coçar a própria barba, ou os olhos, ou ajeitar os cabelos para trás das orelhas, essa classe de comportamentos também pode incluir coisas que são nojentas, como cutucar dentro das narinas, espremer cravos e espinhas, tirar remela dos olhos, ou morder as unhas. E sim, em termos de saúde, nenhum desses é um bom hábito a se ter. Pode contribuir para problemas de pele, e micro-organismos podem pegar carona para o interior do nosso corpo através dos nossos olhos, nariz ou boca.

A gente sabe disso. Mas a gente faz mesmo assim. Então, como mudar isso?

Encontramos um método que funciona, mas que é quase impossível de ser aplicado: Lembrar às pessoas constantemente. Em um de nossos estudos, conseguimos diminuir o toque no rosto se lembrássemos as pessoas de que não deviam fazer isso a cada um ou dois minutos. Dois problemas: primeiro, para além da tua mãe, quem faria isso? Segundo, depois de um ou dois dias disso você estaria pronto para dar um soco em alguém.

Encontramos, no entanto, um método prático que reduziu o comportamento entre 65 a 95%. Em nossa pesquisa, esse método funcionou a curto ou longo prazo (até 9 semanas). Enquanto você continuasse aplicando-o, os toques na face permaneceriam com baixa frequência.

Qual é esse truque? Mensure o seu toque facial.

Conte os toques. Não importa onde, desde que seja facilmente visível, que você possa carregá-lo a qualquer lugar e que você esteja disposto a usá-lo. Pode ser uma folha de papel, um dispositivo de contar que marque cada vez que você dê um clique, ou um aplicativo no seu smartphone. Apenas registre, religiosamente, cada vez que tocar seu rosto e, em poucos minutos, ele cairá a uma taxa suficientemente baixa para que possa acompanhá-lo durante muito tempo sem interrupções.

Quando os participantes do nosso estudo não estavam contando, eles tocavam seus rostos a qualquer hora, sempre que a vontade surgisse, levando a muitos toques no rosto (cerca de uma dúzia de vezes a cada cinco minutos). No entanto, assim que os instruímos para começarem a contar, os toques no rosto diminuíram drasticamente. Além disso, os toques permaneceram baixos enquanto as pessoas continuaram a contar, mesmo em casos que a contagem tenha continuado por até 9 semanas!

Pesquisas adicionais mostraram que a mera presença dos meios que você esteja usando para registrar o comportamento funciona, já que te lembra de não tocar o rosto. E a contagem funciona mesmo que você não seja tão preciso assim – apenas o esforço para a autopercepção já cria o efeito.

Não, a contagem não é uma cura para o hábito de tocar no rosto: assim que os participantes pararam de contar, voltaram a tocar o rosto com a mesma frequência com que o faziam antes. Assim, para continuar a beneficiar-se deste método, é preciso continuar a usá-lo.

Existem outras ideias, claro, para promover mudanças de hábito que podem ser tentadas... mas essa é a mais simples, e a mais embasada em evidências científicas.

À época essa era apenas pesquisa básica de preparação para estudar a autopercepção. Não esperava que essa pesquisa um dia fosse ser diretamente útil, nem pensava nela há muito tempo. Mas a COVID-19 mudou muitas coisas e cá estou eu, sentado na minha poltrona, abrigado em minha casa. Com lápis e papel ao meu lado, tocador facial crônico que sou.

Um ...

 

Dois...

 

 

Três ...

 

Texto original escrito por Steven C. Hayes, Psicólogo clínico, pesquisador, Ph.D. em Psicologia Clínica pela Universidade de West Virginia, Professor do Departamento de Psicologia da Universidade de Nevada, EUA.

Tradução e adaptação (autorizada pelo autor) por Tullio Cezar A. Brotto, Psicólogo clínico, Ms. em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Espírito Santo, servidor público lotado no Departamento de Saúde e Assistência Social – Setorial Norte (DASAS/PROAD/UFES/São Mateus).

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